quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A Produção Capitalista da Juventude


Por Nildo Viana

Na idade média, a palavra juventude era usada para designar as pessoas com mais de 50 anos. Hoje, esta palavra atinge uma outra faixa etária da população. Disto pode se indagar o porquê da mudança e o que ela significou. Ela significou que a divisão de faixas etárias na população se alterou no imaginário social e que se ampliou com o surgimento de diversas denominações para explicar cada estágio da vida de um indivíduo. Isto, sem dúvida, foi um produto da expansão da divisão social do trabalho, que não só utilizou as diferenças vitais ou "biológicas" existentes como as reforçou.

Nas sociedades de classes pré-capitalistas, foi mantida e aperfeiçoada a divisão sexual e etária do trabalho, existentes nas sociedades simples, e, na sociedade capitalista, isto se reproduz em escala ampliada. Durante a revolução industrial, o trabalho de crianças e mulheres era amplamente utilizado, mas posteriormente, com a criação de um exército industrial de reserva composto exclusivamente por homens "adultos", tanto as crianças quanto as mulheres tiveram que se afastar do trabalho produtivo. Com a necessidade - provocada pelo crescente desenvolvimento tecnológico do capitalismo - de qualificação da força de trabalho, surgiram as escolas e universidades, instituições voltadas para tal qualificação e para a reprodução da ideologia dominante, que reforçaram o distanciamento entre jovens e adultos.

Uma grande parte da vida dos jovens é vivida nas instituições educacionais, que segundo alguns sociólogos também servem para "disfarçar" o desemprego da juventude. A partir desta posição social diferente se cria um conjunto de características próprias nesta faixa etária da população, que não tem suas fronteiras bem definidas, pois, para uns, jovem é quem tem de 15 à 40 anos, para outros, até 30, e assim por diante. Assim, o capitalismo busca criar costumes e comportamentos específicos para esta camada, buscando criar um mercado consumidor específico: a juventude. Este mercado consumidor possui um consumo de bens supérfluos sui Generis na sociedade, que vai de bonés até wake-mans, passando por preferências musicais, artísticas, etc., que são produzidas e reproduzidas pelos meios de comunicação de massas. Ocorre, porém, que a juventude não forma um todo homogêneo, pois as divisões sociais perpassam todas as faixas etárias, tais como a divisão de classes, de raça, de sexo, etc. É por isso que se fala em "juventude operária", juventude católica, juventude comunista, etc. Neste sentido, podemos dizer que existem elementos em comum entre as pessoas que compõem a juventude mas que também existem elementos diferenciadores no seu interior. Quais são os elementos em comuns e quais são os elementos diferenciadores? O primeiro elemento comum é a idade e daí deriva todos os outros que são produzidos socialmente (modo de vestir e agir, linguagem, gostos, etc.); O segundo é a preparação para a vida "adulta", ou seja, para o processo de imputação de responsabilidades sociais (tal como os estudos); O terceiro é a rebeldia.

Antes de passarmos para a análise dos elementos diferenciadores, devemos analisar o segundo e o terceiro elementos comuns à juventude. A preparação para o processo de imputação de responsabilidades sociais significa que o jovem ainda não está no mercado de trabalho mas já é preparado para ele, que não possui o dever de cuidar de uma família (é, na verdade, um protegido de uma família) mas que deve se preparar para tal e assim por diante. Isto ocorre através da escola, da família, dos meios de comunicação de massas, etc. A idade em que isso ocorre varia dependendo da classe social a que se pertence, pois o trabalho começa mais cedo para quem é proveniente das classes exploradas, assim como o casamento também. É justamente isso que permite surgir a rebeldia do jovem e não, como pretendem os conservadores de todos os tipos, a idade. Não existe nenhum motivo para se julgar que a rebeldia da juventude, quando ela existe, ocorre devido a idade, ou para acreditarmos em ditos ideológicos do tipo "aos vinte anos, incendiário; aos quarenta, bombeiro!". A juventude, por ainda não estar inserida no mercado de trabalho e, no fundo, nem querer tal inserção, além de poder estar inseguro em relação a ela, tende a assumir uma posição constestadora em relação à sociedade. A sua união em instituições repressivas como a escola também pode servir de motivo para colocá-los em oposição à sociedade. O fim da rebeldia ocorre não por causa do envelhecimento mas por vários outros motivos, tais como as responsabilidades sociais adquiridas após o estágio de preparação. A integração do jovem no mercado de trabalho e a nova situação de ter que se auto-sustentar (às vezes também à família) provoca um novo modo de se comportar, mais conservador.

Neste sentido, podemos dizer que existem elementos comuns à juventude que vão além da idade e que estes são produzidos socialmente. Isto significa que a velha tese leninista de que a juventude não é revolucionária, é equivocada, pois a juventude possui uma condição de vida que lhe predispõe a contestar a sociedade. Isto, evidentemente, não quer dizer que a juventude assume o papel de sujeito revolucionário em substituição ao proletariado, tal como algumas concepções pseudo-esquerdistas colocam. O que se conclui disto tudo é que a juventude possui uma tendência contestadora e que esta deve ser compreendida para que se forme uma aliança entre o movimento operário e os diversos movimentos de juventude. E quais são os elementos diferenciadores da juventude? O primeiro destes elementos e o mais importante é, sem dúvida, o que é derivado da posição de classe. A juventude está presente em todas as classes sociais e isto quer dizer que a questão da classe social interfere na forma de viver da juventude. A juventude operária tende a ser mais revolucionária do que a juventude burguesa e a pertencente a outras classes sociais. Embora se deva dizer que suas condições de vida dificultem sua ação política e impede sua ligação orgânica com o movimento revolucionário em períodos não-revolucionários. Outros elementos diferenciadores são a raça, o sexo, a religião, a cultura, entre outros. É por isso que se pode falar em juventude católica, comunista, negra, etc.

Do ponto de vista do movimento social isto não significaria um espaço para uma divisão de forças no interior da juventude? Talvez fosse melhor analisarmos este assunto por um outro lado. A juventude não é um todo homogêneo e é marcada por possuir aspectos comuns e diferentes. Disso resulta que tal divisão só seria importante se rompe-se com uma unidade revolucionária e colabora-se com a política burguesa. Não é isto que ocorre. Na verdade, a juventude só poderá efetivar um papel revolucionário ultrapassando suas lutas específicas e aderindo a um projeto mais amplo, que expresse a possibilidade de transformação social. O caráter revolucionário do movimento da juventude só pode se expressar através da articulação com o movimento operário. Além disso, deve-se notar que nem todos os setores da juventude irão assumir uma postura revolucionária.

Neste sentido, podemos dizer que a juventude é uma produção capitalista e que ela carrega em si as contradições da sociedade capitalista. A partir de suas necessidades cotidianas, de sua forma específica de alienação e opressão, a juventude deve elaborar um projeto político e articular suas lutas com as do movimento operário. Somente assim a juventude assumirá um papel revolucionário.



Este texto foi publicado originalmente no Jornal Autogestão, Ano 01, num. 02, Maio de 1996.